Hoje vamos falar mais uma vez da Competência da Justiça do Trabalho, quem está acompanhando o blog e lendo as sugestões de artigos que tenho indicado com certeza já percebeu que a EC nº 45/2004, veio para chancelar as competências da JT que não são poucas.
A turma de DPT-I no dia 03-09 teve como um dos assuntos da aula expositiva a Representação. Deste modo, vamos abordar um assunto super interessante, qual seja: A indenização por danos em caso de falecimento do trabalhador.
Bons Estudos!
B. PRELIMINAR
1. COMPETÊNCIA MATERIAL
1.1. ÓBITO DA VÍTIMA DE ACIDENTE – SUCESSÃO – DIREITO DO
DE CUJUS
Em sede de preliminar não cabe discutir a transmissibilidade da
indenização patrimonial do dano moral aos sucessores. A petição inicial ao
alegar que o de cujus sofreu dano moral próprio decorrente do
acidente de trabalho apresenta postulação que se encaixa com perfeição na
competência da Justiça do Trabalho, em absoluta identidade com qualquer outra
parcela patrimonial não satisfeita durante a relação de emprego. A questão se a
indenização pelo dano moral alegado na petição inicial poderia ou não ser
transmitida à sucessão é nitidamente de mérito: diz não sobre a competência,
mas sobre a existência ou inexistência do direito alegado na petição inicial.
Para os que afirmam que o direito à indenização por dano moral não se
transmite aos herdeiros, desaparecendo junto com o perecimento da personalidade
ocorrido com a morte da vítima, não mais existe o direito próprio do de
cujus alegado na petição inicial, mas somente o direito à indenização
por dano moral reflexo ou por repique sofrido pessoalmente pelos sucessores.
Não se discute que existiu uma relação de emprego entre a reclamada e o de
cujus que gerou controvérsias e que para dirimi-las a única justiça
competente é a do Trabalho.
Trata-se de raciocínio semelhante aos pedidos de reconhecimento de
relação de emprego anteriores à Emenda Constitucional nº 45/2004. A
inexistência da relação de emprego não resultava na incompetência da Justiça do
Trabalho, mas na improcedência do pedido. Precisamente porque dizia respeito ao
mérito da pretensão formulada pela parte na petição inicial. Da mesma forma que
somente a Justiça do Trabalho tem competência para dizer a respeito da
existência ou não da relação de emprego, tem competência para dizer sobre a
existência ou não do direito a dano moral do empregado falecido em acidente de
trabalho. O fato de o pedido ser formulado pelo empregado ou por sua sucessão é
absolutamente irrelevante.
Neste sentido, embora invocando matéria de mérito, convergem os
seguintes julgamentos, do Tribunal Superior do Trabalho, do TRT-RS e do
Superior Tribunal de Justiça:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL – ACIDENTE DE TRABALHO COM
ÓBITO AÇÃO MOVIDA PELOS SUCESSORES – COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO
TRABALHO – I. É incontroversa a competência da Justiça do Trabalho para
julgar ação de indenização por danos moral e material provenientes de
infortúnio do trabalho quando movida pelo empregado. II. A competência material
assim consolidada não sofre alteração na hipótese de, falecendo o empregado, o
direito de ação for exercido pelos seus sucessores. III. Com efeito, a transferência
dos direitos sucessórios deve-se à norma do art. 1.784 do Código Civil de 2002,
a partir da qual os sucessores passam a deter legitimidade para a propositura
da ação, em razão da transmissibilidade do direito à indenização, por não se
tratar de direito personalíssimo do de cujus, dada a sua natureza patrimonial,
mantida inalterada a competência material do Judiciário do Trabalho, em virtude
de ela remontar ao acidente de que fora vítima o ex-empregado. Recurso
desprovido” (TST – RR nº 165/2006-076-03-00, Rel. Min. Barros
Levenhagen,
DJ
de 27.04.2007).
“ACIDENTE DO TRABALHO – MORTE DO EMPREGADO – INDENIZAÇÃO DE DANO
MORAL E PATRIMONIAL VINDICADO PELA VIÚVA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO –
Os danos decorrentes de acidente de trabalho, inclusive a pretensão de dano
moral e material vindicado pela viúva, se inserem na órbita de competência
desta Justiça Especializada.Recurso provido.” (RO 00534-2006-811-04-00-7, Rel.
Juiz Pedro Luiz Serafini).
“No caso, o empregado sofreu acidente no local de trabalho em
razão do vínculo de emprego mantido com o empregador, vindo a
falecer. Em razão disso, a ação objetivando a reparação material e moral foi
ajuizada pela viúva e filhos. Ora, se o trabalhador não tivesse falecido e
viesse ajuizar a ação reparatória, é inconteste que ele teria legitimidade para
tanto e que seria competente esta Justiça Especializada. Ainda, se ele tivesse
ajuizado a ação reparatória em função do acidente sofrido e viesse a falecer no
curso da demanda, a titularidade passaria para a viúva e filhos (sucessão) e,
do mesmo modo, não restaria dúvida de que competente esta Justiça do
Trabalho. O fato em si, acidente do trabalho, que ocasionou o
óbito do trabalhador permanece. Da mesmo forma, a competência para
julgamento da ação reparatória dos danos materiais e morais oriundos de
acidente do trabalho, conforme se infere do disposto nos arts. 7º, XXVIII e
114, da Constituição Federal, permanece com esta Justiça Especializada.
Ademais, este último dispositivo constitucional não fixa a competência desta
Justiça Especializada para julgar ações de indenização por danos materiais e
morais decorrentes de acidente do trabalho em função da titularidade do direito
de ação, mas sim em decorrência da relação de trabalho. Tanto
é assim, que neste caso a Justiça Comum determinou a remessa dos
autos a esta Justiça
do Trabalho
(fl. 360, vol. II), visto que ajuizada a ação lá, originalmente.”
(fundamentação do RO 00804-2005-662-04-00-5, relatado pelo Juiz Ricardo
Carvalho Fraga – grifos no original).
“PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE
DO TRABALHO – SERVIDOR PÚBLICO – ARTIGOS 109 E 114 DA CF – 1. O Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Conflito de Competência 7.204/MG entendeu
que, mesmo antes de ser editada a Emenda Constitucional 45/2004, a competência
para julgar as ações que versem sobre indenização por dano moral ou material
decorrente de acidente de trabalho já seria da Justiça Laboral. (...). 4.
Tem natureza trabalhista a reclamatória intentada pelos herdeiros do
trabalhador falecido e em nome dele com o fito de ver reconhecida a indenização
por danos morais e materiais ocasionadas por acidente de trabalho. (...)
6. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª
Vara do Trabalho de Americana – SP, o suscitado.” (Conflito de Competência nº
61.587 – SP, Superior Tribunal de Justiça,
Rel.
Min. Carlos Meira – grifo itálico nosso)
A se entender que a morte do empregado afasta a competência da Justiça
do Trabalho forçosamente teriam que ser remetidas para a Justiça Comum Estadual
todas as reclamações trabalhistas versando sobre os mais variados direitos
previstos no art. 7º da CF/88 e na CLT cujo empregado não esteja mais com vida.
Todos os processos e não somente os que versem sobre acidente de trabalho na
medida em que não há diferença quanto à origem entre os créditos decorrentes do
acidente com ou sem morte e os demais créditos oriundos da relação de emprego.
Caso o empregado faleça no curso do processo, cessaria imediatamente a
competência da Justiça do Trabalho. Seguramente não é esta a finalidade das
alterações do art. 114 da CF/88 introduzidas pela Emenda Constitucional nº
45/2004.
Ainda que adotado entendimento restritivo às alterações do art. 114, I e
IV da CF/88, a competência para decidir sobre a existência de créditos de
titularidade material do empregado, exercido o direito de ação pelo empregado
em vida ou pelos sucessores, é e sempre foi da Justiça do Trabalho.
1.2. INDENIZAÇÃO DOS FAMILIARES DO EMPREGADO POR DANO MORAL PRÓPRIO
O art. 114 da CF/88, com a redação anterior à Emenda Constitucional nº
45/2004, delimitava a competência da Justiça do Trabalho nos seguintes termos:
“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregadores (...)”. A dicção
da norma constitucional reserva à Justiça do Trabalho desde a promulgação em 5
de outubro de 1988 a competência para julgar as ações decorrentes de acidente
de trabalho movidas pelo empregado contra o empregador. Entre outros
fundamentos, pela simples razão de que somente é acidente de trabalho o que
ocorre entre empregado e empregador. Nada mais evidente para estabelecer a
competência da Justiça do Trabalho nos casos de acidente de trabalho que a
supressão da exceção contida no § 2º do art. 142 da CF/67 com a seguinte
redação:
“Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras
controvérsias oriundas de relação de trabalho. (...)
§ 2º Os litígios relativos a acidentes do trabalho são da competência da
Justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo
exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”.
A este respeito leia-se o excelente artigo do Juiz do Trabalho Vander
Zambeli Vale publicado na Revista LTr-Legislação do Trabalho nº 8, volume 60,
agosto/96, página 1.069. A competência da Justiça do Trabalho para as ações
decorrentes de acidente de trabalho entre empregado e empregador é sustentada
por este Juízo desde o ingresso na magistratura, sendo exemplo as sentenças
publicadas nos Processos
nº 00253-402-01-8
em 28.06.2001, nº 00015-402-02-9 em 31.07.2002, entre outras.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do Conflito de Competência
7204-01/MG
afirma categoricamente o óbvio: a competência para julgar pedido de indenização
por acidente de trabalho do empregado contra o empregador era desde 5.10.1988
da Justiça do Trabalho. Na fundamentação do voto o Ex.mo Min.
Relator Carlos Ayres Brito destaca com todas as letras que:
“Com efeito, estabelecia o caput do
art. 114, em sua redação anterior, que era da Justiça do Trabalho a
competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre
trabalhadores e empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da
relação de trabalho. Ora, um acidente de trabalho é fato ínsito à interação
trabalhador/empregador. A causa e seu efeito. Porque sem o vínculo trabalhista
o infortúnio não se configuraria; ou seja, o acidente só é acidente de trabalho
se ocorre no próprio âmago da relação laboral.(...)
Nesse rumo de idéias, renove-se a proposição de que a nova redação do
art. 114 da Lex Maxima só veio aclarar, expletivamente, a interpretação aqui
perfilhada. Pois a Justiça do Trabalho, que já era competente para
conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e
empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da relação trabalhista,
agora é confirmativamente competente para processar e julgar as ações de
indenização por dano moral
ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho (inciso VI do art. 114)”
(grifos nossos).
Diante de tais constatações indaga-se: será que nada mudou com a
edição da Emenda Constitucional nº 45/2004? A lei e, com muito maior
razão, a Constituição Federal, não contém expressões inúteis. Não é possível
deixar de atribuir significado à atual redação dos incisos I e IV da
Constituição Federal, inseridos pela Emenda Constitucional nº 45/2004, verbis:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as
ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios; (...) VI - as ações de indenização por dano
moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;”
A competência da Justiça do Trabalho foi alterada e significativamente
ampliada. Não por fruto do acaso, mas de tendência que remonta à origem da
Constituição Federal em 5.10.1988, que estabeleceu sensível incremento
estrutural à Justiça do Trabalho com a previsão de pelo menos um Tribunal
Regional do Trabalho em cada estado e no Distrito Federal (art. 112), passando
pela Lei nº 10.770 de 21.11.2003 que criou 269 Varas do Trabalho em todo o
território nacional.
A alteração imposta pela Emenda Constitucional nº 45/2004 é efetivamente
de paradigma. Com base na redação anterior da norma constitucional era corrente
a afirmação de que a competência da Justiça do Trabalho era delimitada em razão
da qualidade das pessoas litigantes (in, Direito Processual do Trabalho, Wagner
Giglio, 10ª Edição, Saraiva, 1997, p. 45).
A partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 tornou-se irrelevante a
qualidade dos litigantes. A competência não é mais definida em razão da pessoa,
mas da matéria. A força inercial causada pelo hábito arraigado dos operadores
jurídicos da Justiça do Trabalho de enxergar sempre e invariavelmente o
empregado e o empregador nos pólos ativo e passivo das ações, eximindo-se de
julgar sempre que isso não ocorre, precisa necessariamente ser rompida. Não há
tarefa mais árdua que modificar o modo de pensar dos operadores jurídicos,
resistente até mesmo a alterações na Constituição Federal.
A competência da Justiça do Trabalho passou a delimitar-se pela matéria,
repita-se que independentemente da qualidade dos litigantes. São as matérias
pertinentes à relação de trabalho e os danos morais e patrimoniais oriundos
desta relação os critérios eleitos na Constituição para delimitar a competência
da Justiça do Trabalho. Entre os diversos danos que em tese podem estar
vinculados à relação de trabalho por liame de causa e efeito seguramente o mais
relevante é o que atinge a integridade física do trabalhador.
O acidente de trabalho necessariamente nascido na relação de trabalho
pode causar danos que se estendem para além do prestador do trabalho e atingem
diretamente as pessoas que convivem com o empregado, como seus familiares. Nem
por isso o dano deixou de ser “decorrente da relação de trabalho”. Em outras
palavras: o relevante não é perquirir se a vítima detém ou não a qualidade de
empregado, se está ou não vinculada por relação contratual ao empregador, mas investigar
se o dano alegado na petição inicial guarda relação de causa e efeito com o
acidente de trabalho e, por corolário lógico imediato, com a relação de
trabalho.
É esta a única interpretação que confere efeito e significação jurídica
à reforma introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao acrescentar os
incisos I e VI no art. 114 da Constituição Federal.
A distribuição de competência não é aleatória ou fortuita, desvinculada
de razão e sentido. As competências são delimitadas levando em conta especialmente
a afinidade da matéria com o respectivo ramo do judiciário escolhido e a
necessidade de manutenção de coerência lógica visando evitar tanto quanto
possível a contradição de decisões calcadas no mesmo fato. O Supremo Tribunal
Federal ao reconhecer que é a Justiça do Trabalho a habilitada para decidir
sobre a observância das normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores
(Súmula 736), assim como para dirimir os litígios decorrentes de acidente de
trabalho (CC 7204-01/MG), atrai para esta Justiça todas as repercussões
patrimoniais decorrentes do acidente.
É a reunião em um único ramo do Poder Judiciário das controvérsias
fundadas no mesmo fato que permite a aplicação das regras previstas na norma
processual destinadas a evitar a contradição de julgamentos (arts. 102 e 103 do
CPC). A unidade de convicção que serviu de fundamento para o voto do Min. Cezar
Peluso no
AI
527.105/SP é de extrema relevância para concluir-se pela competência da Justiça
do
Trabalho, in verbis:
“É que, na segunda hipótese, em que se excepciona a competência da
Justiça do Trabalho, as causas se fundam num mesmo fato ou fatos considerados
do ponto de vista histórico, como suporte das qualificações normativas diversas
e pretensões distintas. Mas o reconhecimento dessas qualificações jurídicas,
ainda que classificadas em ramos normativos diferentes, deve ser dado
por um mesmo órgão jurisdicional. Isto é, aquele que julga o fato ou
fatos qualificados como acidente ou doença do trabalho deve ter competência
para, apreciando-os, qualificá-los, ou não, ainda como ilícito aquiliano típico,
para que não haja risco de estimas contraditórias” (grifo nosso).
À Justiça do Trabalho compete pacificamente decidir se no acidente de
trabalho estão presentes os requisitos que geram a obrigação de indenizar o
dano principal – sofrido pelo empregado – estabelecendo a existência de nexo de
causa, culpa ou dolo e o prejuízo e sua extensão. É um total despropósito
remeter para outro ramo do Poder Judiciário a averiguação exatamente da
presença dos mesmos requisitos em relação a idêntico fato para verificação dos
danos reflexos ou por ricochete.
O dano moral reflexo ou por ricochete está umbilicalmente vinculado por
relação direta de causa e efeito com o ato ilícito do ofensor. A competência da
Justiça do Trabalho em circunstâncias que tais não resultará no conhecimento de
controvérsias não íntima e diretamente adstritas ao acidente de trabalho. É o
que ensina Sérgio Cavalieri Filho:
“somente o dano reflexo certo e que tenha sido conseqüência direta e
imediata da conduta ilícita pode ser objeto de reparação, ficando afastado
aquele que se coloca como conseqüência remota, como mera perda de uma chance”
(in, Programa de Responsabilidade Civil, 6. Ed., São Paulo: Malheiros, p. 125).
É perfeita a comparação do Juiz Reginaldo Melhado com a única
complementação que no caso ora tratado o especialista seria em dano por
ricochete e surpreendentemente poderia chegar à conclusão de que a cirurgia não
era necessária, verbis:
“É como se um cardiologista fosse chamado a diagnosticar o doente e
identificasse uma doença grave, concluindo pela necessidade do transplante
cardíaco. Esse médico inicia então a cirurgia. Abre o tórax do paciente e faz o
afastamento do esterno. Separa a rede de veias e artérias e liga a circulação
sanguínea extracorpórea. Arrancando o órgão enfermo, instala o novo coração.
Mas, no momento de religar as artérias e veias, o procedimento é interrompido.
O cirurgião é incompetente e o paciente deve procurar um outro médico: o
especialista em nexo de causalidade” (in, Justiça do Trabalho: Competência
Ampliada, São Paulo: LTr, 2005, p. 413).
Bastam regras ordinárias de bom senso para concluir que a mesma petição
inicial que descreve os fatos que geraram o acidente, a existência do nexo de
causa e o prejuízo postule o dano sofrido pelo próprio empregado e os
respectivos danos por ricochete, ao invés de exigir-se a impressão de nova via
de idêntico teor distribuindo-a a Juízos diferentes, com flagrante
possibilidade de decisões contraditórias.
A Constituição Federal ao estabelecer o direito dos trabalhadores a
seguro contra acidentes de trabalho sem excluir a indenização quando o
empregador incorrer em dolo ou culpa torna clara a preocupação em disciplinar
questão social de alta relevância. São conhecidas as estatísticas da
Organização Internacional do Trabalho de que a cada minuto três trabalhadores
morrem no mundo como resultado de condições inseguras de trabalho. A atração da
competência para dirimir os litígios decorrentes dos acidentes de trabalho para
a Justiça do Trabalho é a garantia de eficácia da norma material constante no
art. 7º, XXVIII da CF/88.
A interpretação das normas constitucionais deve buscar conferir o máximo
de eficácia aos seus preceitos, notadamente em se tratando de direitos sociais.
Por isso, repugna ao sistema constitucional qualquer interpretação que
restrinja os efeitos do acréscimo de competência da Justiça do Trabalho
promovido pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Vejamos a este respeito a lição
de J. J. Gomes Canotilho ao discorrer sobre o princípio da máxima efectividade:
“Este princípio também designado por princípio da eficiência ou
princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a
uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe
dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas
constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das
normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos
fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça
maior eficácia aos direitos fundamentais)” (in, Direito Constitucional e Teoria
da Constituição, 2. Ed, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 1097 – grifo no original).
Neste sentido a regra processual de distribuição da competência deve ser
interpretada em estrita consonância com a estatura e relevância constitucional
e social o direito material controvertido, sempre voltado a conferir a mais
célere e, por isso, eficaz proteção ao bem da vida pretendido pela parte. Dada
às características próprias da Justiça do Trabalho, a distribuição da
competência é de significativa relevância para a concretização do direito
constitucional previsto no art. 7º, XXVIII.
Vale transcrever a lição de Luiz Guilherme Marinoni:
“há que entender que o cidadão não tem simples direito à técnica
processual evidenciada na lei, mas sim direito a um comportamento judicial que
seja capaz de conformar a regra processual com as necessidades do direito
material e dos casos concretos. É óbvio, não se pretende dizer que o juiz deve
pensar o processo civil segundo seus próprios critérios. O que se
deseja evidenciar é que o juiz tem o dever de interpretar a legislação
processual à luz dos valores da Constituição Federal. Como esse dever gera
o de pensar o procedimento em conformidade com as necessidades do direito
material e da realidade social, é imprescindível ao juiz compreender as tutelas
devidas ao direito material e perceber as diversas necessidades da vida das
pessoas” (grifo nosso – in, Técnica Processual e
Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 244).
O presente processo é exemplo flagrante da maior eficácia da norma
constitucional quando a solução da controvérsia é submetida à Justiça do
Trabalho. Os autores ajuizaram na data de 18.05.2004 a reclamação trabalhista
nº 00433-2004-512-04-00-6 postulando os direitos do de cujus violados
no curso do contrato de trabalho. A presente demanda é ajuizada em 17.05.2004
na Justiça Comum Estadual: um dia antes da reclamação trabalhista.
Na reclamação trabalhista a sentença foi proferida em 30.11.2005, da
qual a reclamada interpôs recurso ordinário julgado em 5.09.2006, sendo que no
momento da elaboração da presente sentença a reclamada tem ciência dos cálculos
elaborados pelo Perito nomeado pelo Juízo. Vale dizer: no tempo que a
reclamação trabalhista levou para ser instruída e julgada no primeiro e segundo
graus de jurisdição, o presente processo tramitou apenas para dirimir-se questão
preliminar na Justiça Comum Estadual acerca do Juízo competente.
Suscitar conflito de competência como quer a reclamada equivale a
postergar indefinidamente a satisfação do direito pretendido pelos autores.
Significa deixar ao desabrigo por tempo definitivamente fora da razoabilidade
uma viúva e um menor que perderam o pai em acidente de trabalho.
Por todo o exposto, rejeita-se a preliminar de incompetência material
suscitada pela reclamada.